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Opinião: ‘Gente’, a poesia não confiável de Débora Gil Pantaleão

CBN Paraíba

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Pedro Feitosa/Divulgação

A escritora e psicanalista paraibana Débora Gil Pantaleão lança Gente, sua mais recente coletânea poética, pela Arribaçã Editora. O lançamento acontece nesta quarta-feira (16), às 19h, no espaço cultural Cherimbom, no Jardim Cidade Universitária, em João Pessoa. O evento contará com um bate-papo entre a autora e a convidada Bruna Cassiano, abordando os temas centrais da obra.

A voz poética em Gente é pessoal e política. Em seus versos, há uma forte dimensão decolonial, que desnuda as cicatrizes deixadas pela colonialidade nas relações sociais. Desde o poema em que o eu lírico tenta, em vão, encaixar-se em um mundo que não a vê (“se eu pudesse me vestir de branca/ e comprar o mundo e te dar o mundo/ ainda ainda assim você não me veria”), até aqueles que exploram as dores nas relações entre mulheres (“não era eu na brincadeira com teu filho/ entrando no quarto pintado e decorado por nós duas”) e a violência especista (“tudo que escrevo tem gente ferida/ e animais selvagens”), ‘Gente’ sobrevive às tentativas de pacificar as existências feridas pela colonialidade.

No contexto do projeto literário de Pantaleão, Gente consolida sua estética fragmentada, que se recusa a se dobrar às convenções formais e à gramática normativa. Esse gesto experimental e inaugurador, é um eco da própria existência da poeta, que existe através da dissidência. Ao descentralizar o percurso da obra, por exemplo, Pantaleão convida o leitor a buscar a autonomia de seus próprios ritmos e significados. Assim, descentraliza a própria noção de autoridade do poema, de sequência e de tempo, criando um espaço poético onde o controle sobre o texto é partilhado entre autora e leitor(a).

Em um dos versos mais importantes da obra — “sou poeta não confiável” — Pantaleão desafia e confronta a ideia de autoridade. Quem são os(as) poetas confiáveis? Quem decide o que é válido na poesia ou na vida? O não confiável, nesse caso, não é sinônimo de ‘falsidade’, mas de uma crítica às estruturas que decidem o que vale como conhecimento, como arte, como vida, como gente. Ao reivindicar essa “não confiabilidade”, Pantaleão reivindica também a autonomia da sua escrita (que é plural), da sua existência enquanto mulher negra e LGBTQIA+ (que é plural), que se coloca em rota de colisão com os paradigmas tradicionais de poder. A poeta não confiável é infiel a qualquer epistemologia-epistemicída, por isso (“sim sempre decepcionarei/ poetas brancas”).

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Como dito, a autora subverte, ao longo de toda a obra, as noções tradicionais de temporalidade e linearidade. Como o posfácio de Bruna Cassiano sugere, a morte, nos poemas de Pantaleão, não é um fim, mas um recomeço. Há uma força disruptiva na forma como a poeta aborda a ciclicidade da vida, mostrando que tudo está em fluxo constante. O tempo do livro se torna, portanto, uma ferramenta de subversão, e os corpos/ espécies/ a vida o atravessam de maneira única, afirmando sua presença e continuidade. No fim, a poeta achada morta não morre (“morre editora e escritora débora gil pantaleão”), o contrário disso acontece.

Afinal, a “poeta não confiável” pode ser, para alguns, uma figura de ruptura; mas para muitas de nós, ela inaugura, em sintonia com um projeto literário emergente, como o de Lubi Prates, um novo tempo na literatura paraibana — um espaço finalmente seguro para existirmos.

*Lua Lacerda (Jornalista e escritora)

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