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O mundo da música está em luto profundo. Quincy Jones morreu neste domingo, 03 de novembro de 2024. O maestro nascido em Chicago em março de 1933 morreu em Los Angeles aos 91 anos.
No final da década de 1980, Quincy Jones levou alguns rappers para um jantar em sua casa. Era o presente de aniversário do filho, um garoto apaixonado pelo rap.
Durante a recepção, o maestro contemplou a relação fã/ídolo e lembrou da juventude, do tempo em que tinha o mesmo tipo de vínculo com as estrelas do jazz que admirava.
Naquele jantar, começou a pensar num disco em que homenagearia a música negra americana num passeio que ia do jazz ao rap. O resultado se chama o conceitual Back on the Block, trabalho admirável que reúne grandes cantores e instrumentistas.
Back on the Block conduz o ouvinte por uma extraordinária viagem musical do Quincy Jones que já tinha experimentado tudo nos estúdios e nos palcos. Os puristas do jazz não tolerarão ouvir Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Dizzy Gillespie ao lado de rappers.
O disco é muito posterior à fusão de jazz e rock promovida por Miles Davis (que também está entre os convidados). Mais do que isto: é do Quincy pós Michael Jackson.
É, portanto, do homem que nasceu no jazz, mas saiu deste para outras expressões da música negra americana. E também consolidou-se não só como instrumentista, autor e arranjador. Sobretudo como homem da indústria do disco.
No filme Ray, de 2004, Quincy Jones aparece como amigo da juventude de Ray Charles. Ray nascido em 1930. Quincy em 1933.
Lá na frente, os dois estão juntos num dos melhores discos de Ray Charles: Genius + Soul = Jazz. O cantor já havia rompido com a Atlantic e cedido às tentações da indústria num contrato milionário com a ABC.
O maestro ainda não se afastara tanto do jazz que cultivou no início da carreira. E que voltaria a abraçar, muitos anos depois, no último concerto de Miles Davis em Montreux.
Ali, os dois visitam o repertório soberbo e impecável que Miles gravou sob os arranjos e a batuta de Gil Evans. Davis e Evans, um casamento perfeito.
Quincy Jones e seus caminhos. Jazz e pop. Música e indústria. Se quisermos o Quincy Jones que seduziu os amantes do jazz na década de 1950, ouçamos This Is How I Feel About Jazz. Aos 23 anos, em 1956, ele conduz uma big band a executar os números que arranjou. Apenas seis. E não é preciso mais.
Em 1962, foi um dos primeiros a perceber, tão velozmente quanto o saxofonista Stan Getz e o guitarrista Charlie Byrd, a revolução contida na nossa Bossa Nova ao gravar Big Band Bossa Nova.
Os puristas daqui nunca gostram. Dizem, não sem razão, que a Bossa Nova não é daquele jeito que Quincy imaginou. Mas não há como ignorar a importância do gesto de músicos como Jones diante do fenômeno brasileiro.
Quincy no jazz em This Is How I Feel About Jazz. Quincy pós tudo em Back on the Block. Opostos que podem se atrair. Depende do ouvinte.
Quincy relendo um mestre do cinema em Explores the Music of Henry Mancini. Já é muito pop, afirmarão seus críticos, mas como é bem resolvido.
Quincy Jones comandando a gravação de We Are the World. Ou produzindo Michael Jackson em Thriller, pérola do universo pop. E da indústria do disco. Da música como negócio, não há como negar.
Que tal, então, Jones e Davis em Montreux? É o retorno a um encontro essencial da música popular do século XX. O de Miles Davis com Gil Evans. Quincy Jones e seus caminhos. Quincy Jones – gigantesco, único, insubstituível.