Apesar do etarismo ser um obstáculo para Nalva, ela acredita na sua longa experiência na lida direta com o cliente..
Silvia Torres/TV Cabo Branco
A ideia da reportagem surgiu depois de gravar alguns episódios do quadro Dedinho de Prosa, veiculado todos os sábados, no programa jornalístico JPB1, da TV Cabo Branco, afiliada Globo na Paraíba. Percebi que estava lidando com muitas mulheres empreendendo nas esquinas de ruas movimentadas da capital, João Pessoa.
E todas com o mesmo sonho, a conquista da formalização. Isso me fez aprofundar na pesquisa sobre a realidade dessas mulheres para procurar entender os obstáculos que enfrentam na manutenção do negócio.
Nesse recorte do Dedinho de Prosa, dividido em duas partes, estão a rotina de Lidinalva, Thais e Marineide, as donas da rua.
Lidinalva: a ambulante que transforma rotina em resistência
Todos os dias, ainda de madrugada, Lidinalva Trajano da Silva inicia sua jornada. Ela mora no Alto Roger, em João Pessoa. Acorda sempre às 5h,
Veste-se de coragem e pedala em sua bicicleta até a Rua Santo Elias. Seu destino é a movimentada esquina com o Parque Solon de Lucena, no centro da capital paraibana. É ali, na esquina da “Rua da Narciso”, que ela monta sua banca de ambulante, uma estrutura simples, carregada num carrinho de madeira, que guarda com zelo num depósito local, pagando R$ 25 reais por semana. Para transportar o equipamento, conta com a ajuda de um rapaz a quem paga R$ 20 reais semanalmente.
Na banca, Lidinalva vende de tudo um pouco: meias, fones de ouvido, carregadores, cartelas de bingo e outras utilidades. “É daqui que eu tiro meu sustento. Trabalho com amor, atendo meus clientes com carinho”, conta.
Aos 57 anos, mãe solo de dois filhos, ela enfrenta diariamente o sol forte, a chuva e o cansaço. O que não falta é determinação. Trabalha como ambulante há 25 anos, sendo os últimos nove na esquina da Lagoa. Começou vendendo fichas para orelhões e cartões telefônicos, antes da grande reforma da área central. Desde então, o ponto virou sua base de sobrevivência.
Lidinalva buscou as ruas como alternativa à falta de oportunidades formais.
“Com a minha idade, ninguém abre as portas. Já fiz duas cirurgias, não tenho mais a mesma saúde. Mas sigo trabalhando”, desabafa. Sonha em formalizar seu negócio, ampliar a banca, vender mais produtos e, um dia, ter sua casa própria. Hoje, mora de favor e convive com as dificuldades do dia a dia. “Se eu tivesse condições, já teria colocado mais mercadoria. Mas as condições não deixam. Ainda assim, continuo firme”, diz.
Elas são muitas nas ruas, mas poucas no papel: só 15% das mulheres empreendedoras na Paraíba têm CNPJ. A luta é por mais que espaço — é por reconhecimento..
Silvia Torres/TV Cabo Branco
Sua rotina é intensa. Toma café ali mesmo na Lagoa, almoça em uma lanchonete próxima e só retorna para casa ao final da tarde, por volta das 18h30, sempre a pé. “Todo dia é assim, com a graça do Senhor”, afirma com um sorriso. Aliás, sorrir é algo inerente à Nalva, como é conhecida.
Mesmo em meio aos obstáculos, Lidinalva se reconhece naquilo que faz. “Eu gosto daquilo que eu sou. Gosto daquilo que eu faço.” E ela alimenta um sonho: crescer, ter mais produtos, conquistar sua clientela com novidades e, enfim, realizar o desejo de uma vida melhor. “Meu ideal é ter meu negócio, minha casa, e ser feliz. É o que mais quero.”
Thais e os doces da esperança
Foi num semáforo fechado da Avenida Tabajaras, no Centro de João Pessoa, que encontrei a jovem Thais Paiva da Silva, de 26 anos. Enquanto aguardava no meu carro o sinal abrir, ela se aproximou de mim e com um sorriso no rosto, perguntou como eu estava, como estava meu dia, e soltou a frase que eu era uma pessoa especial.
Havia algo em Thais que ressaltava qualquer frase feita motivacional, ela era doce no falar e no abordar. Em seguida, ofereceu-me doces artesanais feitos por ela, embalados com um QR Code para pagamento via Pix. E o mais curioso, ela deixou em minhas mãos a decisão de quanto pagar e no tempo que eu tivesse para fazer isso. Ela confiou em mim e em tantas outras pessoas que passaram por aquela esquina e ainda passam. O gesto de confiança da jovem empreendedora abriu caminho para uma história de superação.
Thais é mãe solo da pequena Melina, que estuda em escola integral. Desde 2023, após se separar do pai da filha, os doces se tornaram sua única fonte de renda, levando-a a trancar o curso de Administração. De segunda a sexta, ela sai às 6h30 para deixar Melina na escola e vai às ruas vender até 15h30. Com uma rede de apoio limitada, só consegue trabalhar nos dias de aula da filha. Aos domingos, vende nas redondezas de um shopping em Manaíra, quando a mãe pode cuidar da filha.
Seu maior sonho é formalizar a empresa e abrir uma mini doceria com doces, sobremesas e salgados de qualidade. Mas a caminhada não é fácil, Thais sofre com endometriose, enfrenta o preconceito diário contra ambulantes e, recentemente, teve um prejuízo de R$ 2 mil reais na tentativa de empreender em ponto comercial no Alto do Mateus.
Nas mãos, um produto que agrega esperança e confiança..
Silvia Torres/TV Cabo Branco
Apesar das dores e dificuldades, Thais se mantém firme: “Meu foco é crescer, abrir minha empresa e inspirar outras pessoas. Se eu conseguir, qualquer um consegue.” Ela também quer ser ponte para os clientes reviverem boas lembranças. Seus produtos são feitos de doce de leite em pó e conquistam pelo sabor que remete à infância. “Meus sonhos quase não cabem em mim e ainda desejo ter meu próprio negócio formal. Mas para chegar lá, preciso de capital. E aí é onde mora o problema, o que ganho nas esquinas é apenas para meu sustento e de minha filha”, lamenta Thais.
A formalização como fortalecimento dos negócios femininos
De acordo com Germana Espinola, analista técnica do Sebrae/PB, apesar de se observar o crescimento expressivo do empreendedorismo feminino, muitas mulheres ainda enfrentam grandes desafios para consolidar seus negócios. E a informalidade é um dos principais.
Segundo levantamento do Sebrae/PB, na Paraíba, cerca de 84,2% das mulheres que empreendem ainda atuam sem registro formal, sem CNPJ. Essa realidade limita o acesso a oportunidades importantes para o fortalecimento do negócio e coloca em risco a sustentabilidade das iniciativas empreendedoras.
Germana aponta como solução acessível e eficiente para mudar esse cenário a formalização por meio do Microempreendedor Individual (MEI).
Muita gente ainda não sabe o que é o MEI e onde realizar essa formalização. O MEI foi criado para facilitar a entrada de pequenos negócios no mercado formal, oferecendo uma série de benefícios com baixo custo e menos burocracia. Ao se tornar MEI, a empreendedora passa a ter CNPJ próprio, o que permite emitir nota fiscal, participar de licitações públicas, acessar linhas de crédito com juros reduzidos e entrar em programas de apoio ecapacitação governamentais.
Além disso, a formalização garante direitos previdenciários, como aposentadoria, auxílio-maternidade, auxílio-doença e pensão por morte, o que é muito relevante já que quase metade das empreendedoras são também chefes de família.
Credibilidade no negócio
Germana reforça que “um negócio formalizado transmite mais confiança para os clientes e parceiros, abrindo portas para novos mercados. Isso fortalece o crescimento sustentável da atividade e contribui diretamente para a geração de renda e emprego na comunidade local. Por isso, a formalização como MEI não é apenas um passo burocrático, é um movimento estratégico para transformar a realidade de milhares de mulheres que já demonstram coragem e capacidade empreendedora, mas que ainda não conseguem acessar os recursos necessários para expandir seus negócios”.
Numa conversa enquanto as câmeras do quadro estavam sendo ajustadas para gravação, elas perguntaram onde conseguiriam informações para se tornar MEI. Adiantei que isso é possível em instituições como Sebrae e prefeituras que oferecem apoio gratuito para orientar e facilitar o processo da formalização. O primeiro passo é buscar informação, o segundo, registrar o negócio e começar a construir um novo caminho profissional, com mais segurança, crescimento e reconhecimento.