Em Dona Inês, no Brejo da Paraíba, o Quilombo Cruz da Menina faz referência à história de uma milagreira. A oralidade conta que o nome da criança era Dulce e que ela teria morrido de fome.
(Esta reportagem faz parte da série ‘Santinhas, as milagreiras da Paraíba’, que conta histórias de quatro meninas consideradas santas populares)
Todos os anos, no dia 1º de novembro, quando é comemorado o Dia de Todos os Santos, uma procissão sai da igreja matriz de Dona Inês até a capela da Cruz da Menina, que fica na zona rural, no quilombo.
Rafaela Henrique, agricultora e moradora do Quilombo Cruz da Menina, relata a história que ouviu sobre a milagreira.
A história oral conta que uma menina chamada Dulce viajava a pé com a família em busca de melhores condições de vida. Assim como aconteceu com a menina de Amparo, a criança teria morrido de fome, próximo a um pequeno riacho onde teria parado para beber água.
“Foi então erguida uma cruz perto da pequena vertente de água, onde as pessoas buscavam água e bebiam pedindo a menina que lhes dessem a cura e assim começaram os primeiros milagres”.
Cruz da Menina de Dona Inês representa devoção a menina que teria morrido de fome..
Rafaela Henrique/Arquivo pessoal
Devoção e milagres
Rafaela Henrique conta que já teve uma prece atendida pela menina. A agricultora estava com um cisto e pediu à milagreira que não fosse necessário fazer cirurgia.
“Eu pedi muito à Santa Cruz da Menina que ela me curasse, que eu não precisasse de cirurgia, quando eu estava com o sístio inflamado, foi quando eu pedi essa prece e essa prece foi alcançada, graças a Deus, e eu fui pagar à Santa Cruz da Menina”.
Rafaela Henrique – Agricultora
A agricultora conta que a devoção vai além dos moradores do quilombo, mas há devotos em toda a cidade de Dona Inês. “A devoção do católico com a capela da Cruz Menina é muito forte, não só o pessoal da comunidade, como do município inteiro, né? E pessoas que vêm de outro estado, de outra cidade, para conhecer a capela e pagar as promessas que eles fazem”.
Rafaela Henrique/Arquivo pessoal
Conexão emocional
O historiador Laércio Araújo explica que histórias como a da Cruz da Menina de Dona Inês despertam a identificação das pessoas que se conectam emocionalmente com elas. Essa conexão resulta nas devoções que atravessam os anos.
“É como se os sofrimentos individuais fossem convertidos em fé e esperança coletivas. São as emoções que conectam os milagreiros com os devotos. Assim, as devoções populares passam a atuar entre os vivos como mediadoras no contato com o divino e com o transcendente”.
Laércio Araújo – Historiador
Para o historiador Lucas Medeiros, o fato da maioria dos milagreiros serem mártires está relacionado à cosmologia cristã, uma vez que, assim como o Cristo, eles passam por situações difíceis e de doação.
“Isso é, evidentemente, uma clara interferência da cosmologia cristã. Que apresenta na figura de Cristo o Messias que teve uma vida difícil, teve uma morte difícil, mas se doou em prol da salvação da humanidade. Então, as pessoas constroem esses espaços de devoção em torno da sepultura ou dos ambientes domésticos e formulam uma fé em vários aspectos livres da institucionalidade”.