Em João Pessoa, histórias de resiliência nascem em calçadas. Maria é uma mulher que nunca teve nenhum documento. Não há registro do nascimento dela, mas no rosto não se esconde a sobrevivência de décadas nas ruas. O índice de pessoas em situação de rua hoje é verificado pelo Cadastro Único, um sistema do Governo Federal que utiliza dados e informações sobre essa população. Mas há pessoas que não têm sequer um documento.
“Esse documento é muita coisa para mim. Eu tenho chorado noite e dia pelo registro. Porque com registro eu vou ter… Se eu tiver viva daqui pra lá, vou ter um benefício, uma aposentadoria, alguma coisa. Não quero riqueza, nem ouro, nem prata. É o meu registro. E a minha saúde”, declara Maria, que está há 35 anos na rua.
Maria é uma mulher que nunca teve nenhum documento.
Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
A vida, marcada por desafios, reflete a dura realidade de tantas outras pessoas que, sem documentos, não conseguem sequer reivindicar o básico para viver. À margem da sociedade, invisível aos olhos das políticas públicas, ela vive em situação de rua e sem nenhum benefício.
“Faz 35 anos. Eu tinha 13 anos de idade quando eu desapareci no mundo. Perdi minha mãe com 10 anos de idade. Perdi minha mãe, meu pai, meus avôs e meus avós. Não tenho família nenhuma mais por mim”, conta.
Enquanto Maria perdeu-se da famaília, à beira-mar de João Pessoa encontramos Ana, em um dos pontos turísticos que, por trás da beleza natural, esconde uma realidade de prostituição e tráfico de drogas. Todos os dias, ela espera o irmão no local marcado pelo fluxo constante de pessoas, onde a vida de muitos se perde. Leva comida, roupa, guarda o dinheiro do benefício dele. Cuida do irmão mesmo na rua. Ele, no entanto, não quer voltar para casa.
Todos os dias, Ana espera o irmão no local marcado pelo fluxo constante de pessoas..
Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
“Ele está acostumado a estar aqui com os amigos dele, as amigas. Depois que se acostuma na rua, é difícil querer voltar para casa. Porque lá onde eu moro, tem gente que mora lá nos prédios e continua aqui, não sai daqui. Então vai pra casa quando bem quer. Aí ninguém pode fazer nada”, desabafa Ana.
Nas ruas há anos, enfrentando a realidade do alcoolismo, João recebe comida, cobertores e, principalmente, esperança. Para ela, o amor e a responsabilidade familiar falam mais alto.
Pessoas e famílias que enfrentam o abandono e a falta de oportunidade resistem dia após dia. No senso comum, há quem pense que essas pessoas estão nas ruas por escolha própria.
O sociólogo Gonzaga Júnior explica que existe uma dificuldade em unificar os dados sobre essa população.
“Quando a gente pensa em um problema social tão complexo como esse, a gente tem que pensar políticas sociais de uma lógica mais sistemática, porque as variáveis são as mais diversas, então você tem pessoas ali que estão em situação de rua por problemas familiares, por questões de drogas, outras questões que são muito mais pulverizadas. Entender essas variáveis é importante para pensar políticas públicas que sejam integrativas, que possam se associar às mais variadas condições para poder resolver um problema, digamos, tão urgente como acontece principalmente nesses últimos anos”, explica o sociólogo.
Ao olhar mais de perto, o que se encontra são histórias marcadas por abandono, dependência de drogas, e rupturas familiares que as empurram para essa realidade.
“É bom estar na rua. É porque o cara fica em casa, fica saindo. Eu aqui na rua, converso com um, converso com o outro. E o cara vai… A hora diminuiu”, declara João, pessoa em situação de rua.
Pretos ou pardos entre 30 e 49 anos. Esse é o perfil da população em situação de rua hoje na Paraíba. A maioria vive sem contato nenhum com parentes. Indo contra o senso comum, a motivação dessas pessoas estarem nas ruas é o desemprego e brigas familiares.
Pretos ou pardos entre 30 e 49 anos. Esse é o perfil da população em situação de rua hoje na Paraíba..
Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
Perfil da população em situação de rua na Paraíba
homens pretos ou pardosidades entre 30 e 49 anossem contato com parentesdesemprego e brigas familiares como motivos para a situação de rua
O primeiro passo para enfrentar a realidade é entender que a rua não é moradia. É situação, que pode e precisa ser mudada.
Liana Espínola, promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Gênero, Diversidade e Igualdade Racial do Ministério Público da Paraíba (MPPB), explica a diferença entre os termos “morador de rua” e “pessoa em situação de rua”, um passo importante para entender a realidade.
“Os moradores de rua são aqueles que moram na rua por opção. São aqueles que poderiam até ter um lugar, às vezes até tem um lugar para morar, mas está alugado, recebe a renda e prefere morar na rua. Essa é uma exceção, na verdade. A regra são as pessoas em situação de rua que não têm um local para morar e terminam ficando na rua”, detalha.